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PEC dos vereadores: uma proposta fadada ao fracasso


A proposta de emenda constitucional que aumenta de 51.748 para mais de 59 mil o número de vereadores em todo o país, prestes a ser aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados, não viola nenhum preceito fundamental da Constituição, a não ser que permaneça no texto o dispositivo com base no qual as novas vagas abertas nas câmaras municipais seriam preenchidas – antes das eleições de 2012 – pelos “suplentes de vereador”. Embora evite fazer uma análise sobre a “conveniência” da proposta, o ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, avisa logo que não existe a figura do “vereador suplente”, mas apenas de “suplente de vereador”. E lembra o enunciado do artigo 1º da Carta de 1988: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (em caso de plebiscito), nos termos desta Constituição”. Ou seja, na interpretação de Britto, as novas 7.709 cadeiras a serem criadas em câmaras de vereadores só podem ser ocupadas por representantes eleitos no próximo pleito municipal.

Já o ministro aposentado do STF Maurício Corrêa – relator do caso-piloto do município de Mira Estrela (SP), em 2004, quando o tribunal fixou o entendimento de que os municípios têm direito a um vereador para cada 47.619 habitantes – acha que a “PEC dos vereadores” é “inconveniente” para o país, e “reflete a nossa cultura política defeituosa”. A seu ver, faltou “espírito público” ao parlamentares, que dependem das bases municipais para serem reeleitos no próximo ano, e, assim, “sucumbiram às pressões dos suplentes de vereadores”.

Na quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou a “PEC dos vereadores” por 370 votos a 32. Houve apenas duas abstenções. A proposta já passou pelo Senado, e deve ser aprovada em segundo turno pela Câmara, apesar do convencimento generalizado no Congresso de que a questão dos “vereadores suplentes” vai acabar no STF – ou em ação de inconstitucionalidade a ser proposta pelo Ministério Público Federal, ou em recurso contra a resolução vigente do TSE sobre a matéria.

O deputado Antonio Carlos Biscaia (RJ), egresso do Ministério Público, foi um dos três representantes do PT que votaram contra a PEC, e faz um alerta com relação à situação dos suplentes:

– A decisão é uma ilusão. Os vereadores que não conseguiram se eleger em 2008 não serão diplomados nem empossados. O TSE já tem entendimento de que a aplicação de emenda constitucional em eleições deve preceder o início do processo eleitoral, ou seja, o prazo final de realização das convenções partidárias – observa.

O cálculo do novo número de vereadores foi feito pela consultoria legislativa da Câmara, com base na população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para este ano. O atual artigo 29 da Constituição dispõe que o número de vereadores deve ser proporcional à população do município, observados os seguintes limites: mínimo de nove e máximo de 21 nas cidades de até 1 milhão de habitantes; mínimo de 33 e máximo de 41 nas de mais de 1 milhão e menos de 5 milhões; mínimo de 42 e máximo de 55 nos municípios de mais de 5 milhões de habitantes.

Em março de 2004, o STF estabeleceu uma fórmula matemática, com base num longo e minucioso voto do ministro Maurício Corrêa, no julgamento de um recurso do MP de São Paulo contra lei municipal de Mira Estrela (2.660 habitantes na época) que aumentou de nove para 11 o número das cadeiras da Câmara municipal. Maurício Corrêa ainda considera “correta, com base em critérios não políticos”, a fórmula adotada. Como a Constituição prevê um número mínimo de nove e máximo de 21 vereadores nos municípios de até 1 milhão de habitantes, chegou-se ao “quociente lógico”de 47.619 – número inflado pela PEC em tramitação final para 59.457.

A proposta cria 24 faixas de número máximo de vereadores – de nove, para cidades de até 15 mil habitantes, até 55, para municípios com mais de 8 milhões. Ou seja, a minúscula Mira Estrela continuará a ter nove vereadores. E as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, continuarão com 55 e 51 representantes municipais, respectivamente, como têm hoje, conforme a fórmula aprovada pelo STF e transformada em resolução pelo TSE. A maior inflação de vereadores vai ocorrer, sobretudo, nas faixas de cidades que têm entre 300 mil e mais de 900 mil e até 1,05 milhão de habitantes.

Gastos

A Confederação Nacional dos Municípios divulgou um levantamento segundo o qual a “PEC dos vereadores” vai diminuir o teto de gastos anuais dos legislativos municipais, em relação aos valores repassados pelo Executivo às câmaras, para R$ 8,97 bilhões, levando-se em conta os orçamentos municipais do ano passado.

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, garante que dados da Secretaria do Tesouro, de 2008, referentes a 90,8% dos municípios, revelam que os recursos disponibilizados pelo Executivo foram de R$ 10,41 bilhões, e que as câmaras gastaram, efetivamente, 60% do teto constitucional – o equivalente a R$ 6,28 bilhões. Segundo Ziulkoski, isso vai ocorrer por que a proposta de emenda prevê a diminuição em 1% do valor que deve ser repassado do Executivo ao Legislativo – percentual que teria peso significativo, principalmente, nas cidades com mais de 500 mil habitantes.

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